Quem já ouviu e gosta das músicas “Geleia geral”, famosa na voz de Gilberto Gil; “Pra dizer adeus”, cantada por Edu Lobo, e “Go Back”, que se eternizou com os Titãs na década de 80, admira indiretamente a obra do poeta piauiense Torquato Neto, que viveu entre 1944-1972.
Um pouco da vida e da obra dele ganhou as telas dos cinemas em março de 2018 no documentário “Torquato Neto: Todas as horas do fim”, dirigido por Eduardo Ades e Marcus Fernando. Torquato foi um dos pensadores e letristas mais ativos da Tropicália, atuou em diversas frentes, deixando sua marca na poesia, na música, no cinema, no jornalismo e na produção cultural.
O documentário traz 26 textos da autoria de Torquato Neto para contar a história dele. Poemas, colunas de jornal, cartas para amigos e parentes, e trechos de diários são interpretados pelo ator Jesuíta Barbosa, que dá voz ao poeta. Além dos textos, o documentário conta ainda com uma entrevista em áudio do letrista, depoimentos de amigos e parceiros, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Zé. Dezenove das dezenas de composições de Torquato são interpretadas por nomes como Elis Regina, Edu Lobo, Gil e Caetano, incluindo sucessos como “Pra Dizer Adeus”, “Geleia Geral”, “Mamãe, Coragem” e “Let’s play that”.
Filho único de um defensor e de uma professora primária, Torquato Neto foi um menino tímido que, desde cedo, já lia os poetas Castro Alves, Olavo Bilac, Fagundes Varela e Gonçalves Dias. Aos 11 anos pediu de presente ao pai as obras completas de Shakespeare e, pouco depois, ganhou também as de Machado de Assis. Mas sempre apresentou certa tristeza em suas obras e vida.
No ano de 1968, o Tropicalismo, chegava ao auge, com o lançamento do disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circences. O grupo se dissolveu pouco depois frentes à repressão e às perseguições ao movimento e a seus representantes. Torquato foi estudar no exterior. Mas, no retorno, confessava a amigos sentir-se um trapo, um derrotado, um infeliz perpétuo. A depressão já dava sinais pelo uso de álcool e drogas. Internado várias vezes para desintoxicar-se, escreveu: “(…) Incrível, já não preciso mais (…) liquidar meu nome, formar nova reputação como vinha fazendo sistematicamente como parte do processo autodestrutivo em que embarquei – e do qual, certamente, jamais me safarei por completo(…).
O suicídio dele, um dia depois de seu 28º aniversário, provocou espanto, apesar de todos os próximos saberem das dificuldades e de como ele se sentia. A depressão hoje é conhecida e tem tratamento com medicamentos, mas, nos anos 1970, possuía poucos recursos. Os mais próximos afirmam que conheciam as inquietações e que Torquato não queria se matar, mas escapar do redemoinho. Em um dos textos dele, que ficou esquecido no bolso da calça que usava durante uma das internações, registrou: “Eu preciso conseguir os instrumentos que me preservarão e me desviarão do encontro marcado”.
A curta vida de Torquato foi marcada por intensa e sensível produção cultural em várias frentes que influenciou e deu origem a uma diversidade de livros, peças de teatro, e outras homenagens por todo o país. Além disto, ele deixou um grande legado para a arte brasileira, além da reflexão social sobre como tratamos as pessoas com depressão e com alguma dificuldade emocional.
Adriana -CVV Araraquara (SP)
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