Normose

Data04/12/2015 CategoriaAutoconhecimento

Normose: A patologia da normalidade, livro de autoria de Jean-Yves Leloup, Pierre Weil e Roberto Crema, publicado em 2003, define que normose é “um conjunto de hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos e nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida”. Segundo os autores, a sensação de normose ocorre quando o contexto social que nos envolve se caracteriza por um desequilíbrio crônico e predominante.

A normose se torna epidêmica em períodos históricos de grandes transições culturais – quando o que era normal subitamente passa a parecer absurdo, ou até desumano. Foi o que aconteceu no final do período romano, em relação à perseguição de cristãos, ou no início da Idade Moderna, com o fim da legitimidade da Santa Inquisição, ou ainda no século IXX, com a perda de sustentação moral da escravidão.

E, segundo Crema, Leloup e Weil, é o que está acontecendo de novo, com a crise dos nossos sistemas de produção, trabalho e valores. “O novo modelo é ainda embrionário, e os visionários dessa possibilidade de sociedade não-normótica ainda são minoria”, diz Crema.

Enquanto a maioria de nós se adapta a um ambiente social doente, quem resiste à normose acaba considerado desajustado, por não obedecer ao estado “normal” das coisas.

Crema afirma ainda que cada um de nós tem talentos diversos, mas “o normótico padece de falta de empenho em fazer florescer seus dons e enterra seus talentos com medo da própria grandeza, fugindo da sua missão individual e intransferível”. Acrescenta ainda que, “quando temos necessidade de, a todo custo, ser como os outros, não escutamos nossa própria vocação”.

A cura da normose é um trabalho individual, de olhar para dentro de si mesmo, mas alguns esforços sociais podem ajudar. Os autores sugerem, por exemplo, um novo modelo educacional, onde a escola seja o lugar onde as crianças descobrem suas verdadeiras vocações, em vez de tentar padronizar os alunos e convencê-los a serem normais.

A filósofa Dulce Magalhães, por sua vez, entende que a “cura” para a normose está em mudarmos o modo mental, abandonando o modelo da escassez, que hoje rege o mundo, e abraçando o da abundância. Ela explica: “Desde a infância, aprendemos que o que vem fácil vai fácil e que, se a vida não for difícil, não é digna. Precisamos mudar isso e entender que esforço não é tarefa”. Neste contexto, quantos de nós chegamos em casa reclamando para mostrarmos (a nós mesmos e aos outros) que trabalhamos muito e tivemos um dia duro, como se isso trouxesse algum tipo de mérito?

Mundo afora, estão surgindo escolas com uma nova lógica, como a Escola da Ponte, em Portugal. A instituição não segue um sistema baseado em séries, e os professores não são responsáveis por uma disciplina ou por turmas específicas. As crianças e os adolescentes que lá estudam definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem seus próprios projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais.

Algo similar esta acontecendo no mundo empresarial, onde empresas estão dando voz à liberdade individual. O caso clássico, é o do Google, cuja sede, em Mountain View, na Califórnia, conta com salas de jogos, videogames, espaços ao ar livre e tempo reservado para que cada funcionário desenvolva seus próprios projetos para a empresa, com total autonomia.

A cura da normose não vai ser resultado de uma ou outra iniciativa isolada – ela só vai ser possível quando houver no mundo gente suficiente disposta a questionar tudo o que achamos normal.E talvez isso demore anos para acontecer. A explicação para isso pode estar em uma espécie de bug que todos carregamos no cérebro, que tem uma tendência a sempre recusar novos jeitos de olhar o mundo. É o que explica o psicólogo israelense Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2002, em seu livro Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Segundo ele, nosso cérebro confunde o que é familiar com o que é correto: ao ver ou sentir algo que desperta alguma memória, o cérebro define aquele “familiar” como “correto”, da mesma maneira que o novo é decodificado como passível de desconfiança.

Adriana
CVV Araraquara – SP

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