Onde você esconde a sua dor?

Data16/02/2016 CategoriaAngústia

Tendemos a passar pela vida como se fôssemos protagonistas e os demais meros figurantes de uma única história. O atendente nos fez uma grosseria para nos testar a paciência, a vizinha não nos cumprimentou porque é mal educada, o motorista do ônibus não parou no ponto para nos prejudicar. Tudo é sempre avaliado sob a perspectiva de como a atitude do outro nos afeta. Mas existem várias história e somente na nossa somos o centro.

Esquecemos que cada pessoa tem dores que desconhecemos, que somos todos vasos de porcelana prontos a sermos quebrados por uma notícia ruim, uma crítica cruel, um julgamento equivocado. Ao final do dia, cada um é responsável pela própria reconstrução do ego, dos sonhos, do corpo. Alguns se refazem com habilidade, juntam as peças de maneira cuidadosa e as colam de volta com sabedoria. Outros, juntam os cacos apressadamente e de qualquer jeito, deixando o conjunto ainda mais frágil e desarmônico. Mas uma coisa não muda: somos todos montagens do que já se quebrou várias vezes.

Se lembrássemos disso todos os dias, deixaríamos de avaliar o outro pelos atos e nós mesmos pelas intenções. Explico: quando agimos mal, sempre temos uma justificativa para o nosso comportamento, que nos “absolve” da nossa conduta, como uma briga em casa, o término de um relacionamento, problemas no trabalho. Cremos que nossos atos não são tão condenáveis, pois não tínhamos a intenção de machucar o outro, apenas estávamos passando por um momento difícil.

O outro, por sua vez, não merece a interpretação condescendente de seus atos: se ele fez algo condenável, é porque lhe falta caráter, honestidade, maturidade, dignidade, educação, competência. Jamais ganha o benefício da dúvida sobre um sofrimento que esteja vivendo e que tenha sido determinante para sua conduta.

Ninguém está disposto a ouvir uma resposta sincera para um “tudo bem?”, o que torna a dor praticamente invisível. A sensação é de que, se ninguém fala nela, ninguém sente. Mas se fosse possível ser franco diante da pergunta acima, quantos de nós não teríamos nenhum assunto incômodo para relatar?

Desde crianças, somos desestimulados a mostrar a dor, com expressões como “não foi nada”, “engula o choro”, “não faça tolice”, “você já é um rapaz/moça”. Quando uma criança começa a chorar em um ambiente público, a principal preocupação dos pais é não incomodar as demais pessoas presentes, ao invés de descobrir a causa do choro. Talvez por isso, quando adultos, pedimos desculpas ao chorar na presença de alguém. O pedido de desculpas pelo choro diz muito sobre nós: o sofrimento do outro incomoda, é inconveniente, deveria ser algo privado. A verdade é que só há sentido em pedir desculpas pelo próprio sofrimento a um terceiro em uma sociedade em que não estar feliz é quase pecado.

Por ironia, a felicidade escancarada também ofende, sendo logo rotulada de exibicionista ou forjada nas redes sociais. Aparentemente, também deve ser algo a ser mantido na privacidade, restando ao espaço público um ambiente asséptico, sem emoções fortes.

E nesse sufocar de sentimentos – não mostrar felicidade para não parecer exibicionista e não transparecer tristeza para não passar a ideia de fraqueza -, acabamos vestindo máscaras a maior parte do dia, até perdermos o hábito de sermos nós mesmos, o que é um fator desencadeador para todo tipo de transtornos emocionais, tais como angústia, ansiedade e depressão.

Em quadros crônicos dessas doenças, é comum que as pessoas se calem, por se sentirem totalmente incompreendidas ao tentarem explicar sua condição. Abandonam-se por não poderem expor suas dores. E alguém que abandonou a si mesmo não se sente confortável em lugar algum, potencializando a sensação de ser invisível aos outros.

Preocupado com este contexto, o CVV – Centro de Valorização da Vida oferece a quem o procura um ambiente para se despir da máscara da adequação social e expressar seus conflitos em uma conversa anônima e sigilosa. A entidade tem como missão valorizar a vida, contribuindo para que as pessoas tenham uma vida plena e, consequentemente, prevenindo o suicídio. Por uma vida plena só é possível entender aquela em que somos livres para vivenciar todos os nossos sentimentos, não condicionando a expressão deles ao julgamento do outro.

Luiza
CVV Belém – PA

Compartilhar é cuidar

Relacionadas

Início