Vivemos uma era em que ser feliz é mais importante que tudo. Se antes as pessoas tinham objetivos de vida mais concretos, hoje tudo deve servir à felicidade. O bom emprego não serve se não for prazeroso, as famílias se desfazem se o casal não estiver feliz, os filhos têm o papel de completar os pais, etc.
Não há dúvidas que essa mudança de mentalidade foi positiva em muitos aspectos, liberando as pessoas de compromissos que as faziam sofrer, mas teve um efeito perverso: tornou a felicidade compulsória. Não há fracasso maior do que ser infeliz, em uma sociedade que privilegia o prazer e a satisfação pessoal.
Além de sermos uma sociedade hedonista, ainda vivemos um momento em que a tecnologia facilita a criação de um mundo de aparências e, como ninguém quer ser fracassado, expor a felicidade, verdadeira ou forjada, virou um hábito que apenas contribui para a insatisfação, pois há uma constante comparação com a vida supostamente feliz do outro.
Diante disso, a tristeza passou a ser intolerável. Qualquer sinal dela parece ser um indício de que há algo de errado com nossas vidas. Mesmo em situações em que seria absolutamente normal senti-la, como perdas, doenças ou insucesso em algum objetivo, queremos afastá-la imediatamente, como a uma praga.
Ao estigmatizar a tristeza como algo ruim, parecemos não ser mais capazes de reconhecer a sua contribuição para o nosso crescimento e amadurecimento, além de um desdobramento natural de alguns fatos e escolhas. Tratamos como problema e, quiçá, como doença. A consequência desta visão é o aumento expressivo do consumo de antidepressivos, considerado exagerado por muitos médicos, que afirmam que muitas pessoas com uma tristeza “normal” estão sendo medicadas, desnecessariamente.
Especialistas apontam que a diferença substancial entre a tristeza e a depressão é a existência de um motivo para o sofrimento. Enquanto na tristeza é possível identificar sua origem, na depressão há um vazio inexplicável, que permanece mesmo quando tudo parece estar da forma desejada.
O uso abusivo de antidepressivos também decorreu da evolução destes medicamentos, que passaram a apresentar cada vez menos efeitos colaterais. Assim, além do aspecto positivo de diminuir a resistência das pessoas ao tratamento, houve um certo incentivo à busca da medicação como solução fácil para dores naturais. O próprio marketing da indústria farmacêutica foi no sentido de dissociar os antidepressivos de doenças mentais, focando em pessoas estressadas e insatisfeitas com a própria vida. O resultado foi que o “Prozac”, então chamado de “a pílula da felicidade”, se tornou um dos remédios mais vendidos do mundo, já tendo sido receitado a 90 milhões de pessoas, em 25 anos de existência.
A Organização Mundial da Saúde aposta que, em 2030, a depressão será a doença mais comum do mundo, devendo inclusive ser tratada como epidemia. A situação é mais séria quando a mesma organização aponta que, dentre as pessoas com depressão grave, 15% comete suicídio.
Em um primeiro olhar, é um contrassenso que, justo em uma época em que a felicidade é o objetivo maior da vida, haja uma epidemia de depressão, mas a verdade é que nosso estilo de vida é propício à angústia: temos que vencer para sermos felizes e a obrigação de vencer é estressante, opressiva e desgasta a mente, que pode entrar em colapso com o excesso de estímulos e informações que recebe diariamente.
O fato é que a vida ficou mais complexa. Nos sentimos cada vez mais desamparados, pressionados a consumir objetos que prometem felicidade (de refrigerantes à casa própria) e menos conectados às pessoas. Além disso, as mudanças estruturais na sociedade diminuíram o rigor nas relações de todos os tipos, nos possibilitando uma infinidade de opções e exigindo escolhas sobre qual o modelo que mais se adequa às nossas vidas. A dúvida sobre qual o melhor caminho é extremamente angustiante. Neste sentido, estudos indicam que, em sociedades mais primitivas, que ainda subsistem no mundo moderno, os níveis de depressão são bem menores, sugerindo que a doença pode ter como origem, dentre outros fatores, a falta de certeza sobre o futuro e o medo de tomar decisões equivocadas.
Provavelmente não queremos regredir em todos os avanços sociais, econômicos e tecnológicos que tivemos, mas certamente temos que aprender a lidar melhor com as inseguranças que surgiram a partir de então, especialmente com o medo de não alcançar a felicidade tão propagada por todos, pois este parece ser o modo mais fácil de encontrar o sofrimento.
Luiza
CVV Belém – PA