Às vésperas do carnaval e da folia, quando tantos vão às ruas em busca de festa e alegria, chega a notícia de que a jovem Kayla Lucas França, estudante de pouco mais de 20 anos de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa, transexual, desistiu de viver. Na timeline do Facebook, vários amigos se questionam o que poderiam ter feito. Como reconhecer e tentar ajudar alguém antes que a dor seja tão insuportável? Como evitar a cegueira e tentar intervir enquanto há tempo? É um questionamento difícil, mas um dos mais renomados estudiosos da prevenção do suicídio, o psiquiatra José Manoel Bertolote defende que, sim, é possível mapear as pessoas que estão passando por comportamentos suicidas, “identificá-las e ajudá-las a superar a situação que poderia levá-las a dar fim às próprias vidas”. E nessa tarefa o profissional de saúde tem papel essencial. O médico ensina que o suicídio começa, quase sempre, com uma ideia vaga (ideação suicida), que pode se cristalizar e se converter em decisão, que vira plano e que, por fim, se transforma em tentativa. Fatal ou não. “E uma tentativa é considerada, sempre, grande fator de risco”, explica ele.
Bertolote lembra que, conforme estudos, 40% das pessoas que tentaram se matar tentam novamente. Ele é autor do livro “O suicídio e sua prevenção”, editado pela Unesp, no qual destaca que há exatos 20 anos começavam as políticas mais efetivas de saúde pública voltadas à prevenção do suicídio. Pouco tempo depois foram identificadas três áreas prioritárias para o desenvolvimento destas atividades: tratamento de pessoas com transtornos mentais, restrição do acesso a métodos empregados em comportamentos suicidas e abordagem adequada dos meios de comunicação no que se refere ao tema.
De lá para cá, muita coisa mudou no mundo. Entre as iniciativas desenvolvidas que se mostram bem-sucedidas, o médico cita uma da prefeitura de Botucatu, cidade do interior de São Paulo, no qual se adotou como protocolo questionar pessoas que chegam aos serviços de saúde com depressão ou alcoolismo, por exemplo, se elas têm pensamentos suicidas. Se a resposta for afirmativa, um agente da saúde pega esta pessoa pelo braço e, literalmente, leva para um psiquiatra para avaliação. A rede de proteção impede que a pessoa desista. “Acompanhar é diferente de encaminhar, sugerir”, observa o médico.
O psiquiatra destaca que o modelo proposto pela Organização Mundial de Saúde e pela Organização das Nações Unidas e já testado em vários países, inclusive no Brasil, prevê que, ao se depararem com situações associadas ao comportamento suicida, os profissionais de saúde devem dedicar mais tempo àquela pessoa, “independente da fila que os aguarda”. Ouvir com atenção e empatia, observa ele, ajuda bastante a reduzir a ansiedade associada à ideação suicida. Após introduzir o assunto, pode-se questionar se a pessoa se sente infeliz ou sem perspectivas. Se está desesperada. Incapaz de enfrentar o dia a dia. Ou ainda se acha que não vale mais a pena viver ou mesmo se pensa em suicídio.
Todas essas perguntas, enfatiza Bertolote, só devem ser feitas após ser estabelecida boa relação, com a expressão de sentimentos, sobretudo os negativos. A partir daí, o profissional de saúde pode avaliar a extensão da chamada ideação suicida, indagando se a pessoa chegou a fazer algum plano para pôr fim à vida, se poderia contar sobre esse plano, se pretende executá-lo e se tem meios para tal. O método, segundo ele, tem se mostrado bastante eficaz na prevenção.
O livro, de 136 páginas, ainda aborda a prevenção junto a educadores, agentes prisionais e profissionais de comunicação. E mostra que as taxas de suicídio variam de país para país de acordo com fatores como religião dominante e facilidade de meios disponíveis. Sexo e idade, junto com o fato de ter ocorrido uma tentativa prévia, são considerados fatores de risco que pouco contribuem para a prevenção, devido ao caráter físico e imutável dessas informações.
Por outro lado, perdas materiais, afetivas ou morais podem oferecer indicativos mais precisos para esta política de prevenção. Como exemplo, ele cita a presença de transtornos mentais, tais como depressão, alcoolismo e esquizofrenia; determinadas doenças físicas (incuráveis ou terminais) e o acesso facilitado a agentes físicos letais (pesticidas, armas de fogo). Todos esses fatores, pondera, são potencialmente modificáveis ou passíveis de eliminação ou, pelo menos, de considerável controle. Vale a leitura!
Leila
CVV Brasília – DF