Para muitos, a loucura é muito simples: louco é quem não enxerga as coisas como eu. Quem não age ou se comporta conforme padrões pré-estabelecidos também é considerado louco. A loucura seria, portanto, um comportamento que foge ao que é considerado normal para a maioria.
Aprisionadas em sua própria mente, as pessoas tidas como loucas até pouco tempo eram – e ainda são, em alguns lugares do mundo – trancafiadas em asilos, hospitais e manicômios, com pouco ou nenhum tratamento adequado, muitas vezes desumano, que não raro terminavam por agravar seu estado de saúde.
Foi a luta por um tratamento adequado e humanizado para estas pessoas que moveu a vida da psiquiatra brasileira Nise da Silveira (1901-1999). Ícone da medicina brasileira e a principal responsável pela introdução da psicoterapia como tratamento no país, ela tem sua história contada em “Nise – O Coração da Loucura”, que foi lançado em 2015.
O filme acompanha o período em que a médica atuou como responsável pelo setor de terapia ocupacional do Hospital do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro (e que hoje leva seu nome). Admiradora do psiquiatra suíço Carl Jung, que defendia o tratamento através da imagem, Nise, juntamente com sua equipe, consegue se conectar com os pacientes (chamados por ela de clientes, pois considerava que – sendo uma servidora pública – ela estava prestando um serviço a eles; os pacientes, dizia, eram aqueles que os acompanhavam) com o auxílio da tinta, do pincel e do barro, além de carinho e paciência. Cinzento e triste no início, as cores no filme começam a aparecer ao longo da história, conforme cada um dos “clientes” volta a se conectar com o mundo exterior.
Glória Pires atua como Nise e representa uma personagem prática, dedicada e metódica, que diz apenas o necessário diante dos “clientes”, pelos quais nutre um amor quase maternal: “Não fale, apenas ouça e observe”, é o mantra que ela repete para sua equipe, sem, contudo, se manter passiva diante do machismo e do descaso dos colegas de profissão, ao questionar sem medo seus métodos e práticas que destruíam muitas vezes o que restava de conexão das pessoas com o mundo real.
Outro ponto forte do filme são fatos que fazem de Nise uma mulher à frente de seu tempo, como ter sido a única mulher em sua turma na Universidade de Medicina da Bahia ou ter sido presa pela polícia de Getúlio Vargas por participar da Intentona Comunista. Além disso, há cenas impactantes, com imagens reais de eletrochoque, descrições de lobotomia, animais mortos e as condições precárias que as pessoas eram submetidas antes da intervenção da Dra. Nise no hospital.
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