Se o sofrimento é o intervalo entre duas felicidades, como já dizia o poeta Vinicius de Moraes, estas estão longe de serem fruto de soluções simples. A felicidade é um trabalho de todos os dias, costurado delicadamente, feito de pequenos prazeres como um verdadeiro “artesanato cotidiano”, para usar a expressão do psiquiatra francês Boris Cyrulnik, autor da teoria da resiliência. Para ele, a resiliência é a arte de navegar nas enxurradas. Ou, numa versão mais recente do conceito, a volta à vida após um trauma psicológico.
O especialista aposta na ideia de que felicidade e infelicidade são duas faces de uma mesma moeda. A equação, a um primeiro olhar, parece lógica. “Se uma pessoa vive rodeada de felicidade, isso não a fará feliz. O que gera a felicidade é vencer a infelicidade, ser mais duro do que ela”, sentencia. O raciocínio dele é relativamente simples. As dores fazem parte da vida. “Não existe biografia sem feridas”, alerta.
O conceito de resiliência cunhado por Cyrulnik foi importado da física. Ao sofrer um forte impacto ou pressão, no qual passam por deformações, alguns materiais resistem e recuperam a sua forma original. É o caso de uma bola de borracha, por exemplo. Ou de uma vara de salto em altura. Ao aplicar a metáfora ao ser humano, o psiquiatra procurou designar a capacidade de superar traumas e feridas.
O indivíduo pode, sim, receber o impacto e seguir adiante sem se destruir, em uma atitude de superação. “Somos empurrados a uma enxurrada por uma desgraça da vida: alguns se deixam arrastar e atingir, outros se debatem e, com um pouco de sorte, colocam-se novamente a salvo”, afirmou, em entrevista ao El País.
Nesta proposta, a síntese do conceito poderia ser representada pela mola e pelo tricô. A primeira retorna à forma original após qualquer tipo de pressão, choque violento ou deformação elástica, exigindo flexibilidade, elasticidade, criatividade e reconstrução. Já o tricô é a capacidade diária de se construir e reconstruir, milimetricamente, tecendo os recursos mais profundos para superar as adversidades.
Neste percurso, questões como aceitação da realidade, crença inabalável no sentido da vida e capacidade de improviso são apontadas como fundamentais. Não é uma adaptação às feridas da alma, mas uma necessidade de mudar para não se afogar na dor. Receita para a felicidade? Longe disso. Apenas uma atitude vital positiva para tentar estimular a reparação dos danos sofridos, retomando a vida após a agonia.
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Leila
Brasília (DF)