Em cada um de nós sempre existe uma palavra não dita, um sentimento reprimido, um desejo que quer ter vida, se realizar. Na vida cotidiana que pede urgências e determina prazos, onde o ter vale muito e o ser perde status, já não há mais muito espaço para o sentir.
Poucos são aqueles que param para ponderar sobre as próprias emoções e desejos, quanto mais dos outros. É pra se pensar, quem teria, nos dias de hoje, tempo e interesse de ouvir o desabafo do outro? Pra que se preocupar com o que o outro sente?
Muitos buscam forma de expressar o que sentem. Os poetas escrevem, os pintores traduzem suas emoções em traços e tons, os músicos dão som e voz aos seus sentimentos mais profundos. Mas e aqueles que não tem habilidades para às artes? Que são a esmagadora maioria de nós, resta a velha, boa e conhecida amizade e a possibilidade de desabafar.
Desabafar é fazer a palavra dar vazão a uma emoção presa dentro da gente. A dor pode ganhar voz nas frases, a alegria pode transbordar nos verbos ou nos substantivos, não importa a gramática nesta hora, o importante é colocar para fora.
O desejo, a frustração, a alegria, tudo muda quando dito, confessado e compartilhado. A emoção recebe forma em seu conteúdo e assim podemos compreender o que outra pessoa sente, já que não temos um termômetro ou algo assim que meça algo intangível como o sentir.
Poucos são aqueles que, a despeito de se considerarem amigos, emprestam seus ouvidos ao outro. Estamos num turbilhão tão grande que muitas vezes achamos que estamos ouvindo alguém, mas nem a nós mesmos ouvimos.
Na maioria das vezes, quem desabafa não quer conselho, norte, julgamento ou aplausos. Só quer saber que outro humano se importa, só quer se sentir bem dividindo o que lhe oprime. Quer sentir que outra pessoa é capaz ouvir e talvez sentir a sua dor, que no mundo há outros que também sentem, sofrem e que compreendem os seus vazios, duvidas e incertezas. Quer sentir o alivio e o conforto de que não está só.
Mas se queremos ser ouvidos, porque não ouvimos os outros? Talvez não queiramos ver no outro a nossa dor espelhada. Talvez tenhamos medo de constatar a humanidade que ainda resta em nós, embora nos cerquemos de máquinas e números e metas concretas. Ou não aprendemos durante a vida a sentir, pois sentir ainda pode ser visto por alguns como fraqueza, como sentimentalismo, que não é valorizado em tempos de agilidade e praticidade.
Mas como ser amigo, como ouvir o outro, então? A amizade consiste na delicadeza do “estar disponível” para sentir o outro. Ela é o exercício da empatia. Aquele que tem dificuldade de ouvir, por mais bem-sucedido que seja no mundo dos fatos, é ainda inexperiente no terreno da emoção. E nem percebe que vai se fechando em si mesmo e se esquece do existir, do ser e de quem é realmente.
Adriana
CVV Araraquara (SP)
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