Somos sempre a convergência dos opostos. Cabe-nos a arte de saber tornar compatível o sim e o não, o enternecimento e a firmeza, o lazer e o trabalho. Quanto mais opostos conseguimos articular em nossas vidas, tanto mais fecundos e humanos nos revelamos. Nessa dicotomia, entra o jogo do ter e do ser, verbos que definem situações das vertentes da condição humana, escrevendo a nossa história.
Na nossa cultura, o ter se reporta à conquista dos bens materiais, a fortunas acumuladas. Ao passo que o ser envolve a esperança de ainda mais ser, uma vez que o homem nunca se basta. É uma caminhada de transcendência, sempre no rastro do autoconhecimento. Ao contrário do que muitos pensam, conviver pacificamente com o ter e o ser não é impossível.
Esse malabarismo de fazer com que os extremos se toquem e possam conviver lado a lado exige que percebamos a importância de cada um no contexto das nossas ações. Não é preciso que se exclua um para viver o outro. “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, incita-nos a sabedoria popular, lembrando-nos do valor de tudo ser colocado na balança do equilíbrio. Nela, ganhar (ter) dinheiro e os valores que sedimentam a existência na sua forma mais profunda (ser) não são inimigos ferrenhos.
O ter pode ser comparado a fazermos uma viagem ao exterior, que exige de nós disponibilidade de dinheiro, roupas adequadas, passaporte atualizado, passagens compradas, tudo atendendo às exigências legais e sociais. Mas, tais iniciativas, não nos isentam de ser. Quanto ao ser, podemos olhá-lo como uma viagem ao interior de nós mesmos, na qual os elementos indispensáveis são fornecidos pela ânsia e necessidade do autoconhecimento.
Para empreendermos a viagem ao exterior, um avião, um navio se encarregam de conduzir-nos com as nossas expectativas e bagagens. E para chegarmos ao nosso mundo interior? Em que cais, em que estação, em que aeroporto podemos aguardar o meio de transporte viável para este mergulho?
Sem sombra de dúvida, para quem nunca fez essa viagem, a partida poderá assustar ante o desconhecido. Porém, se controlarmos a imaginação num persistente exercício de treinamento, logo o silêncio interno se fará voz. Então, gradativamente, a cada mergulho surgirá a oportunidade de ouvirmos o nosso verdadeiro eu, com toda a sua gama de sentimentos e emoções que definem nossos pensamentos e ações. Assim, compete-nos o discernimento para sabermos colocar, no momento certo, na balança do equilíbrio, mas mais diversas situações exigidas pela vida, as nossas necessárias idas e vindas pelas esferas do ter e do ser.
Bartyra
CVV Recife (PE)