Falar em gratidão está na moda. Pouco se debate, no entanto, o seu oposto, a ingratidão. Menos ainda, sua filha direta, a inveja. Apontada entre os sete pecados capitais, a inveja segue em condição marginal. Um sentimento que, como classifica o jornalista Zuenir Ventura, não mostra a cara, para o qual jamais existiram heróis e que é sempre tratado como indesejável, sorrateiro, mesquinho e perverso. “O ódio espuma. A preguiça se derrama. A gula engorda. A avareza acumula. A luxúria se oferece.
O orgulho brilha. Só a inveja se esconde”, analisa o autor, em “O mal secreto”. Para ele, apesar de inconfessável, a inveja é um sentimento universal. Todos já sentiram em algum momento ou vão sentir. “É o pecado mais antigo da humanidade, por mais que se disfarce”.
Ele lembra que, apesar de próximos, sentimentos como cobiça e ciúme são diversos. “O ciúme é querer manter o que se tem, a cobiça é querer o que não se tem; e a inveja é não querer que o outro tenha”, explica. Assim, o importante passa a ser não o que se ganha, mas o que o outro perde. “O invejoso torce para que você arrebente uma das cordas do violino. Não suporta o seu sucesso. Ele não quer que você tenha uma síncope, caia e morra. Ele quer o seu fiasco. Que os outros riam de você”, prossegue Zuenir Ventura.
O autor lembra que o problema não é a existência da inveja em si, mas do quanto ela é ativa na vida da pessoa, do quanto é um sentimento deliberado e consciente. “A maioria das pessoas se considera invejável, mas jamais invejosa”, completa o historiador Leandro Karnal, em um Café Filosófico sobre o tema. E muitas vezes, o sentimento segue presente dentro de cada um de nós. Vem à tona, por exemplo, num descuido de palavras, numa espécie de traição consigo mesmo. “O amigo vem contar que comprou uma casa e o invejoso, em vez de parabenizá-lo, destaca como é difícil cuidar desse tipo de moradia, ressalta os custos, a falta de segurança”…
Tanto Karnal quanto Ventura ressaltam a dificuldade de, frente ao sucesso alheio, manter-se distante da inveja. “O verdadeiro amigo não é o que é solidário na desgraça, mas o que suporta o seu sucesso”, observa o jornalista. O filósofo lembra que isso ocorre porque, quase sempre, a dor provoca simpatia e empatia. É comum conseguir ajuda frente a um momento de doença e de dificuldade. “O teste da amizade é relatar a um amigo um grande sucesso”, completa.
Hoje, na avaliação de Zuenir Ventura, existe uma tentativa de tornar a inveja um sentimento bom. “Que inveja boa!” A expressão repetida de forma recorrente seria quase um recurso para se atenuar a vergonha que se tem do que se sente. Reconhecê-la é importante, assim como assumi-la e transformá-la. No livro “Inveja e gratidão”, a psicanalista austríaca Melanie Klein conta sobre um homem tinha muita inveja do vizinho. Um dia, apareceu uma fada e lhe perguntou qual era o seu maior desejo.
Ele podia realizar apenas um, qualquer que fosse, mas o vizinho receberia em dobro. O invejoso pediu, então, que a fada lhe arrancasse um dos olhos. A fábula mostra que o autoconhecimento é fundamental em qualquer situação. Porque tudo o que sentimos acaba voltando para a gente. E, para concluir, vale lembrar a doce poesia de Mário Quintana: “Todos esses que aí estão, atravancando meu caminho. Eles passarão. Eu passarinho”.
Leila
CVV Brasília (DF)
Quer conversar sobre esse e outros sentimentos? Acesse nosso site, cvv.org.br, e veja todas as formas de atendimento disponíveis.