Crise Suicida – Avaliação e Manejo

Data08/11/2015 CategoriaSetembro Amarelo

Durante o V Simpósio Internacional de Prevenção do Suicídio, realizado no dia 11.09.2015, no Rio de Janeiro, o Dr. Neury J. Botega, da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, apresentou ao público a palestra “Crise Suicida – Avaliação e Manejo”, baseada no livro de mesmo título, na qual tratou o suicídio como um problema de saúde pública, em razão do elevado número de ocorrências, especialmente entre adolescentes e jovens adultos. A apresentação será aqui dividida em três tópicos: estatísticas, gradação da situação de risco e crise suicida.

Estatísticas

Apesar da incidência ainda elevada de suicídios, a OMS, em relatório sobre prevenção (2014), concluiu que, no último decênio (2002-2012), houve decréscimo das taxas em 83% dos 172 países listados pela entidade. Dentre os 29 países (17%) em que houve acréscimo no número de suicídios está o Brasil, com aumento de 10% de ocorrências no período. Outras pesquisas apontam que, nos últimos 25 anos, houve um aumento de 30% na quantidade de suicídios no país. Dentre os grupos em que mais houve crescimento, estão, além dos adolescentes e jovens adultos, indígenas, policiais, agricultores e moradores de cidades pequenas. Ao longo deste período (1980-2006), as ocorrências com mulheres se mantiveram estáveis, entre 1,5 e 1,9 a cada 100.000 habitantes. Já no que se refere aos homens, a taxa saiu de 4,7 suicídios por 100.000 habitantes, no ano de 1980, para 7,3 no ano de 2006.

Quanto às regiões, têm-se que o Norte e Nordeste possuem taxas menores de suicídio (1 a 4 por 100.000 habitantes), seguidas de parte do Centro-Oeste e Sudeste onde a incidência é moderada (4 a 6 por 100.000 habitantes). Na região Sul e no estado do Mato Grosso do Sul, a taxa é elevada (6 a 8 por 100.000 habitantes), sendo a maior taxa do país verificada no Rio Grande do Sul (mais de 8 por 100.000 habitantes).

A OMS aponta um total de 11.821 mortes por suicídio no ano de 2012, no Brasil, o que significa uma média de 32 mortes por dia e faz do país o 8º do mundo, em números absolutos, em mortes autoinfligidas. Dados na UNICAMP mostram que, a cada 100.000 brasileiros, 17 já tiveram algum pensamento suicida ao longo da vida, sendo que cinco fizeram planejamentos, três chegaram à tentativa e uma foi atendida em pronto-socorro.

Situação de risco

Foram apresentados os diferentes graus de situação de risco de uma pessoa que pensa em suicídio, que são: a) risco atual/iminente: a pessoa se encontra em uma crise suicida que demanda muita atenção do profissional e das pessoas que a acompanham, para evitar atos impulsivos; b) risco agudo: risco de curto prazo, onde se apresentam os fatores clássicos de risco, tais como predisposição genética e transtornos mentais; c) risco crônico: pensamento suicida de longo prazo e normalmente vinculado a patologias e elementos da personalidade.

Crise suicida

Durante a crise suicida, situação em que o risco de suicídio é o mais iminente, os estágios emocionais mais frequentes são: a psychache (que significa a dor na alma, desespero), a ambivalência (vontades contraditórias de viver e morrer), a impulsividade e a rigidez/constrição (estreitamento cognitivo, no qual a pessoa vê o suicídio como única saída, havendo estreitamento das opções disponíveis). Neste ponto, o Dr. Neury alertou que a ambivalência é uma ferramenta importante para quem acompanha a pessoa que pensa em suicídio, para estimulá-la a refletir sobre a vontade de viver, mas jamais deve-lhe ser comunicada, no sentido de tentar mostrar que ela não deseja a morte, pois ela pode se sentir confrontada e desafiada.

São fatores que indicam o risco iminente de suicídio: desespero, desesperança, delirium, desamparo, depressão e dependência química, chamados pelo palestrante de “os Ds da crise suicida”, devendo haver diferenciação entre fatores predisponentes e precipitantes. Os primeiros são as causas remotas, as causas que levam a pessoa a um estado de tristeza e desânimo profundos, tais como transtornos psiquiátricos, tentativa prévia de suicídio, suicídio na família, abuso sexual na infância, agressividade, isolamento social ou doenças incuráveis. Os fatores precipitantes, por sua vez, são aqueles eventos desencadeantes, aos quais as pessoas e a imprensa normalmente atribuem o suicídio, como desilusão amorosa, separação conjugal, conflitos de relacionamento, derrotada financeira, perda de emprego ou desonra e vergonha, ou seja, a chamada “gota d’água”, que se acumula aos fatores predisponentes.

Na avaliação de risco, aquele que acompanha a pessoa que pensa em suicídio deve observar os fatores de predisposição genética, os fatores de personalidade (como a impulsividade, o perfeccionismo ou a agressividade) e a facilidade de acesso a meios letais, além da existência ou não de um plano para a prática do ato. Deve ainda atentar para os fatores precipitantes/desencadeantes presentes no momento da conversa e os fatores de proteção, que são os que freiam o indivíduo nos seus planos suicidas (família, amizades sólidas, profissão, sonhos para o futuro).

A estimativa da intencionalidade do suicida tem a seguinte gradação: 1) ideias de morte (comum a todas as pessoas, que imaginam como seria o seu velório, quem iria, quais pessoas iriam sofrer mais); 2) ideias de suicídio (também relativamente comum, como pensamento passageiro); 3) planos de como se matar; 4) pesquisas sobre o poder letal dos métodos planejados; 5) providências pós-morte (elaboração de testamento, comunicado à família sobre seguro de vida, etc).

Na maior parte das tentativas/concretizações de suicídio o ato não é impulsivo, havendo planejamento, informações sobre a letalidade do método, mensagens de despedida e providências para ficar sozinha e evitar o resgate. No entanto, no momento da prática do ato, o impulso de se matar pode durar apenas alguns minutos, sendo determinante no controle da crise suicida o manejo do tempo e a criação de dificuldades. Na apresentação, foi relatado pelo Dr. Neury que a mera mudança de embalagem de um medicamento, que imponha dificuldade durante a tentativa, tem o poder de diminuir o risco, como já foi constatado no Reino Unido.

Diante da constatação de que o paciente passa por uma crise suicida, o profissional de saúde deve tomar providências para contê-la. No curto prazo, deve mantê-lo seguro, orientando familiares a não deixá-lo sozinho e evitar acesso a meios letais. A longo prazo, deve se ater a manter o paciente estável, evitando a crise iminente, inclusive com o uso de fármacos como técnica de apoio, para diminuir a inquietude e facilitar o repouso. Em suas intervenções verbais, o profissional não deve fugir da temática suicida, questionando explicitamente o paciente sobre suas intenções, existência de planejamento e controle sobre seus pensamentos.

Na intervenção verbal, inicia-se pelos fatores desencadeantes, que, além de serem os mais visíveis, costumam ser os únicos que a pessoa tem consciência durante a crise. A partir daí, passa-se para o reconhecimento dos sentimentos vivenciados pelo paciente para, junto com ele, nomeá-los, a fim de, em última instância, fazê-lo ampliar seu campo de visão e enxergar outras soluções para os problemas que vivencia.

Luiza
CVV Belém – PA

 

Compartilhar é cuidar

Relacionadas

Início