O jornalista e escritor Otto Lara Resende é autor de um artigo intitulado “Vista Cansada”. A princípio, se pode imaginar tratar-se da expressão popular usada para a presbiopia – falta de nitidez em focar objetos próximos, inclusive para a leitura, quando o indivíduo chega a certa altura da vida e passa a necessitar de óculos. Porém, na realidade, o autor aborda a questão por um outro ângulo. Refere-se a um fato interessante: “O problema é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo”. E nos chama a atenção para um ponto: “O campo visual da nossa rotina é como um vazio. Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar: o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê”.
É oportuno que se pense acontecer o mesmo em relação aos outros sentidos: comemos e não atentamos para o sabor dos alimentos, o cheiro de um perfume nos passa despercebido, o aperto de mão não nos leva a sentir a maciez ou aspereza dos dedos de quem nos cumprimenta. Tudo tem a conotação do automatismo, da pressa, da falta de tempo para um estar mais presente ao que nos circunda.
O mesmo se pode dizer da audição. Quando foi que ouvimos uma música atentos ao arranjo, à sutileza de certas notas, à mensagem da letra? Quando foi que nos detivemos para “sentir” o timbre da voz de um amigo, pai, mãe, filho, irmão? E, no entanto, muitas vezes, a entonação do que se diz, representa mais do que as próprias palavras.
Daí ser valioso que fiquemos de prontidão não só para o que escutamos, mas para o que não ouvimos nas palavras e, sim, no timbre da voz. O choro pode manifestar-se na emoção de um único suspiro, a alegria no entusiasmo de uma interjeição, a depressão na articulação de sons emitidos sem brilho, monocórdios, apagados.
Tudo fala. Até mesmo o silêncio tem a sua própria voz. Quando somos empáticos, não é difícil sentirmos e compreendermos o outro, porque sua voz tem seu eco na nossa própria. E nossos ouvidos estão antenados em permanente estado de vigilância para as modulações expressas por cada pessoa. Modulações estas que penetram ouvidos adentro pousando no bater de nosso coração. Quando se vê-sentindo com profundidade o que a outra pessoa digita ou fala, se tem condições de internalizar toda a carga emocional em cada palavra escrita, lágrima derramada, silêncio estabelecido no decorrer dos desabafos.
Bartyra
CVV Recife (PE)
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