Atrás de nós está a nossa história de vida e, com ela, a experiência que adquirimos. Já adiante de nós estão a incerteza e a dúvida sobre as próximas experiências que conquistaremos. E a angústia nos acompanha enquanto nos deslocamos do aqui e agora para o que virá. Essa situação é a que subsiste em boa parte da vida humana.
Tivéssemos apenas o instinto, a vida já estaria programada e escolher seria fácil. A vida boa e feliz seria aquela que mais se adequasse aos nossos impulsos. Aliás, sequer haveria escolha, porque a nossa conduta já estaria programada por eles. No entanto, não somos apenas instinto, pois podemos agir de diversas formas e escolher caminhos variados. Exatamente nessa diversidade de possibilidades e na dificuldade de ter que abrir mão de algumas opções, a certeza de um caminho traria tranquilidade à nossa angústia de ter que escolher.
Podemos não pensar exatamente nestes termos, mas a ideia que fica é a seguinte: “Se ao menos houvesse um gabarito da minha vida, que me oferecesse as respostas certas para as perguntas que faço, eu teria a tranquilidade em escolher quais caminhos seguir e em cada decisão a felicidade estaria garantida”.
O problema é que não temos um modelo certo. E talvez exatamente por isso que durante nossa vida buscamos uma infinidade deles. Podemos tentar guiar as nossas escolhas pela religião, pela ciência, por profissionais, por parentes, por sinais, pelos nossos sentimentos, pelos nossos pensamentos, por princípios (pessoais ou de outros), por experiência de pessoas que passaram pelas mesmas situações, ou seja, podemos optar por diversos gabaritos. A propósito, a própria escolha do gabarito nos angustia: “Qual devo seguir? Devo fazer o que me orientaram as recentes pesquisas dos cientistas ou o que disse minha família? Mas, e aquele caminho que um conhecido escolheu e que deu certo para ele? Eu teria esse mesmo sucesso? Qual padrão escolho? ”.
Ainda que estes gabaritos possam funcionar para alguns, não necessariamente funcionarão para todos. A incerteza do resultado da escolha permanece e a angústia também. O máximo que conseguimos com as respostas dos outros é iluminar a escuridão da trilha. De todo modo, o trajeto continua sendo pessoal e intrasferível.
Interessante perceber que o que ficou na história de vida de cada um de nós acaba sendo um gabarito. E, felizmente ou infelizmente, ele só é construído depois que se faz a escolha, porque assim saberemos o que deu certo e o que deu errado. E muitas vezes não temos mais tempo para corrigir.
Isso significa que nos resta a opção do enfrentamento das consequências das nossas escolhas e, com ele, a construção de novas experiências, de novos modelos próprios e o novo encontro de outros caminhos pela frente. Em certo momento, o resultado pode nos causar tristeza. Ao mesmo tempo, outros efeitos podem nos alegrar. O ponto em comum é que ainda assim terá a elaboração de experiência de vida e, com ela, a maturidade.
Pode ser que a ausência do gabarito é o que torna a nossa existência tão misteriosa e, ao mesmo tempo, tão interessante de ser vivenciada.
Os voluntários do CVV não têm gabaritos para distribuir, mas têm muita disposição em oferecer um espaço a quem nos procura para conversar sobre as dificuldades que enfrenta, os caminhos que tem pela frente, as dúvidas que lhe tiram o sono e sobre a angústia que o acompanha. Pode ser que, durante a conversa, a pessoa que busca o apoio emocional ilumine, ela mesma, a trilha do caminho que escolherá.
Sereno
CVV Jabaquara – SP