Vivemos uma era de rótulos. Muitas vezes, ao verificarmos uma pessoa que passa por extremo sofrimento psíquico, logo nos apressamos em tentar fazer um diagnóstico. Se alguém está triste, tem depressão. Se o humor oscila, é logo classificado de bipolar. Se tem um comportamento um pouco diferente, é taxado de maluco, esquizofrênico. A psicóloga Larissa Tavira observa que hoje há uma tendência em psicologizar tudo. Ela pondera que a medicação não é sinônimo de bem-estar ou de felicidade.
Com bom humor, recorre a um caso para exemplificar. Determinado paciente da ala psiquiátrica de um hospital relatou ao médico que tinha ganhado um chapéu de Jesus. O profissional se assustou. Pensou em aumentar a medicação, só podia ser alucinação. O paciente prosseguiu, porém, e explicou que o irmão dele, Jesus, tinha lhe visitado naquele dia. “Há uma necessidade extrema de ser escutado e compreendido de forma individualizada”, destaca. “Rótulos podem muito bem ser úteis e nos servem como atalhos mentais, mas não raro nos colocam em dinâmicas essencializadoras que bloqueiam nossa percepção e habilidade de fornecermos uma escuta genuína”.
Somente por meio da escuta a gente também pode se ouvir. A dicotomia entre prazer e dor faz parte da condição humana. “Desde bebê busca-se isso: encontrar prazer e fugir da dor”, avalia. Ocorre que, enquanto as experiências prazerosas são vividas com uma espécie de contemplação, sem reflexão profunda, as de dor vêm acompanhadas de muitos questionamentos. “Embora difícil, a dor tem a função sinalizadora de que algo está errado”.
Ao passar por determinada situação, a pessoa tende a se questionar os motivos de aquilo estar ocorrendo com ela, o que fez ou deixou de fazer para passar por aquela experiência e como sair da situação. “O processo de racionalização é importante e muitas vezes é o que nos ajuda a vislumbrar saídas frente a um problema. Mas o excesso e a negação disso nos distancia de uma realidade que demanda simplesmente viver, como num caso de luto, onde o sofrer faz parte da dinâmica existencial”.
A psicóloga lembra que, na cultura ocidental, o processo passa por domar os sentimentos via racionalidade. A vivência de prazer e dor é racionalizada ou negada, o que gera angústia e ansiedade. “Quando uma pessoa pergunta a outra se está tudo bem, a resposta vem no automático. E agora, com as redes sociais, parece que sofrer é bizarro. Estamos numa era do imagético onde muitas vezes a representação do real ganha mais visibilidade do que as vivências em si. Cada vez mais as pessoas precisam postar fotos dos momentos de prazer, como se precisassem de curtidas para validar que aquela experiência é digna de ser vivida”.
E a escuta, quando ocorre, muitas vezes vem sem muito esforço, sem conexão, de forma não empática. “A empatia é uma escolha e, para se conectar à outra pessoa, às vezes leva um tempo. É preciso buscar algo dentro de nós que existe no outro. E o caminho para se fazer isso não é via o problema, mas via o sentimento”, observa ela. Para exemplificar, se a pessoa tem um filho que usa drogas, não é apenas tendo vivenciado o mesmo problema que se estabelece a conexão, mas pelos sentimentos de angústia, de medo, entre tantos outros, que são universais. Neste raciocínio, uma pessoa que não é mãe e nem tem filho usando drogas é incapaz de se conectar com esse problema, mas angústias como medo e ansiedade são sentimentos que todos conhecem. Sentimentos são compartilháveis e capazes de fazerem as pessoas se conectarem.
Raramente, ao se ter uma escuta empática, inicia-se a resposta com a expressão “pelo menos”. Essa tentativa de positivar o tempo todo as experiências ruins é mais uma forma de negação dos sentimentos, que em nada ajuda, na avaliação dela. Os jargões clássicos de simpatia, como “não pense nisso não”, “tudo irá melhorar”, embora tentem ser compreensivos, apenas colocam em prática a negação de afetos negativos. A simpatia promove distanciamento. O reconhecimento empático dos sentimentos é o que mobiliza conexão e a verdadeira compreensão.
Leila
CVV Brasília (DF)
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